ALERTA MESA DIRETORA DO CONSELHO ESTADUAL DE SAÚDE DO RIO GRANDE DO SUL SOBRE O “DISTANCIAMENTO CONTROLADO”

O Conselho Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul – CES/RS, por meio de sua Mesa Diretora, elaborou uma nota alertando sobre o “distanciamento controlado”, medida adotada pelo governador Eduardo Leite neste mês de maio.

 

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  •  Disponibilizamos a seguir, o texto na íntegra do documento:

ALERTA MESA DIRETORA DO CONSELHO ESTADUAL DE SAÚDE DO RIO GRANDE DO SUL SOBRE O “DISTANCIAMENTO CONTROLADO”

 

A Organização Mundial de Saúde decretou Emergência Internacional de Saúde Pública, em 30 de janeiro de 2020, decretando pandemia em 11 de março de 2020, em função da COVID-19.

O Presidente da República, atuando de forma totalmente irresponsável diante da pandemia, vem atacando todo o acúmulo técnico e evidências científicas produzidas até o momento.

O ainda que precário isolamento social proporcionou inicialmente um achatamento da curva epidemiológica, adiando a contaminação de milhões de brasileiros e permitindo uma melhor preparação do sistema de saúde nacional. Entretanto, a não adoção de tal postura no Brasil como um todo, bem como a flexibilização de tal conduta, já gerou um crescimento exponencial no contágio e no número de mortes decorrentes. Com isto, temos o colapso do sistema de saúde em várias regiões do país.

O jornal El Pais, do dia 16 de maio, quando se tinha oficialmente 233.142 casos detectados e 15.633 óbitos no Brasil, estimou, com base no método de um grupo de matemáticos da London School of Hygiene and Tropical Medicine1, que o número real de casos estaria em torno de 3,7 milhões de infectados. Esta grande diferença decore da subnotificação. Nesse mesmo dia, os dados oficiais gaúchos apresentavam 6.457 casos confirmados e 175 óbitos. Como na base na pesquisa da UFPEL estima-se que o RS teria em torno de 97 mil infectados. Apesar da subnotificação o Brasil bate recordes em diferentes índices negativos relativos à disseminação da doença e seu (des)controle.

Com o isolamento social somente os setores essenciais (saúde, segurança, farmácias, alimentação, entre outros) têm autorização legal para funcionamento.

Apesar da gravidade da pandemia, setores empresariais e seus aliados têm forçado o retorno das atividades dos setores não essenciais, com o falso argumento que o emprego é mais importante que a saúde, que o isolamento resultará em um cenário pior em função de mortes decorrentes do desemprego. A falsa dicotomia saúde x economia não se sustenta em qualquer análise mais acurada.

A pressão dos setores empresariais tem sido feita, inclusive, através de carreatas com carros de luxo, exigindo que os trabalhadores voltem a produzir para garantir os lucros de poucos, além da pressão direta realizada sobre o Supremo Tribunal Federal.

Cabe ao Estado garantir as condições de sobrevivência das populações necessitadas e dos setores econômicos mais frágeis com recursos públicos advindos dos impostos pagos pela sociedade. Todavia, o que está ocorrendo é a concessão de migalhas para os pobres de um lado e a abusiva distribuição de recursos da sociedade para o capital financeiro de outro (PEC 10/2020).

A consequência dessa política genocida é a insegurança social quanto à própria sobrevivência dos setores mais vulneráveis da sociedade, levando ao desespero de retornar ao trabalho para sua manutenção.

No Rio Grande do Sul, o Governo Eduardo Leite, criou o Sistema de Distanciamento Controlado para monitorar a evolução da “epidemia” causada pelo novo Coronavírus e a capacidade de atendimento do sistema de saúde que será “permanentemente monitorado, atualizado e aperfeiçoado com base em evidências científicas e em análises estratégicas das informações por um Conselho de especialistas designados pelo Governador do Estado para estudar e propor medidas para o seu aperfeiçoamento.” Ressalta-se o uso indevido do termo “epidemia”, ao invés de “pandemia”, levando a população à grave erro de entendimento quanto a real situação de risco que nos encontramos.

Assim, o governo do estado utiliza de subterfúgios, de caráter pseudocientífico, para apresentar uma realidade de segurança ilusória, ao permitir a reabertura dos mais variados setores econômicos sem alarde, manipulando e enganando a população, senão vejamos.

Preliminarmente, gostaríamos de esclarecer que o governo do Estado considera o Modelo de Distanciamento Controlado uma “Devolutiva à sociedade”, ao afirmar que houve duas rodadas de consultas à sociedade e às entidades representativas. Diante dessa afirmação, questionamos: quais as entidades que foram convidadas a apresentar sugestões e quais foram estas? Quais os espaços de debates e em que datas aconteceram?

O conjunto de normas previstas no Modelo de Distanciamento Controlado faz parte de Políticas Públicas de Saúde e como tal necessita ser aprovado pelo Conselho Estadual de Saúde, por determinação da Lei nº 8142/1990, da Lei Complementar nº 141/2012 e Lei Estadual nº 10.097/1994. Apesar da determinação legal, o CES/RS, órgão responsável por deliberar acerca das políticas públicas de saúde, foi sequer consultado, ou teve o referido modelo encaminhado para sua devida apreciação.

 

Foi estabelecido um conjunto de bandeiras baseado, segundo o governo, no cálculo da média ponderada da propagação da COVID-19 e da capacidade de atendimento do sistema de saúde que, combinado com o risco de cada atividade econômica, define quais os setores econômicos e em que condições cada região pode retomar o funcionamento. Isso resultaria num Índice Setorial para Distanciamento Controlado, que é uma média ponderada entre o grau de segurança de cada setor e a sua relevância econômica.

De acordo com o modelo, a avaliação da propagação da COVID-19 ocorrerá através de:

a) Velocidade do Avanço baseado no número de casos novos confirmados; no número de internados por SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave) em UTI (Unidade Intensiva de Tratamento); no número de Pacientes COVID-19 confirmados em leitos clínicos; no número de Pacientes COVID-19 confirmados em leitos UTI.

b) Estágio de Evolução mensurado por meio de indicador correspondente ao número total de casos ativos dividido pelo número total de casos recuperados.

c) Incidência de Novos Casos sobre a População através do número de casos confirmados por cem mil habitantes e número de óbitos por cem mil habitantes.

Já a capacidade de atendimento do sistema de saúde será avaliada pela:

a) Capacidade de Atendimento com base no número de leitos de UTI disponíveis para atender COVID-19 na Macrorregião no último dia por cem mil idosos e no número de leitos de UTI disponíveis para atender COVID-19 no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul no último dia;

b) Mudança da Capacidade de Atendimento, mensurada através do número de leitos de UTI disponíveis para atender COVID-19 na Macrorregião e no Estado no último dia, dividido pelo número de leitos de UTI disponíveis em sete dias atrás.

Previamente, é necessário o questionamento: qual é o embasamento técnico e científico para a adoção dos critérios utilizados como indicadores e medidas para a tomada de decisão?

Frente às variáveis apresentadas, questiona-se:

I – Quanto à propagação da COVID-19:

1) quantas pessoas foram testadas através de RT-PCR, em que data, qual instituição coletou, qual analisou e qual o resultado?

2) quais os grupos de pessoas que foram testadas através de RT-PCR, em que data, qual instituição coletou, qual analisou e qual o resultado?

3) quantas pessoas com os sintomas não foram testadas através de RT-PCR e não foram internadas em leitos clínicos e/ou UTI, nem ao menos foram acompanhadas pela Atenção Básica?

4) quantas pessoas assintomáticas que convivem com pessoas com os sintomas foram testadas através de RT-PCR?

5) quantas pessoas assintomáticas que convivem com pessoas com os sintomas não foram testadas através de RT-PCR?

6) quantas pessoas são casos ativos sem conhecimento da SES?

7) quantas pessoas são casos “recuperados” entre os ativos sem conhecimento da SES?

8) quantas pessoas assintomáticas e sintomáticas não são testadas através de RT-PCR diariamente por cidade?

9) quantas pessoas morreram com os sintomas e não foram testadas?

10) quantas pessoas morreram por doenças respiratórias conforme os Cartórios de Registro Civil das Pessoas Naturais?

11) quantas pessoas morreram por COVID-19 conforme os Cartórios de Registro de Civil das Pessoas Naturais?

12) quantos profissionais de saúde vieram a óbito com sintomas de COVID-19 ou confirmados com a doença?

13) qual a capacidade do Estado em ter todos esses dados acima requisitados em tempo real?

14) onde estão sendo divulgados os dados resultantes dos exames realizados em cumprimento a Nota Informativa nº 9 COE/SES-RS, de 14 de maio de 2020?

II – Quanto à capacidade de atendimento do sistema de saúde:

1) na análise do número de leitos de UTIs disponíveis para atender COVID-19, quais elementos estão previstos? Quais são os equipamentos? Qual é a composição da equipe? Quais são as jornadas de trabalho de cada tipo de profissional? Quantos e que profissionais de saúde estão afastados por ser grupo de risco? Quantos e que profissionais estão afastados por estarem infectados? Os EPIs são em quantidade e qualidade adequados para o trabalho a ser realizado? Há estoque de EPIs e os mesmos estão sendo repostos atendendo às necessidades e os protocolos estabelecidos?

2) quantos idosos e não idosos já baixaram nos leitos clínicos e de UTIs COVID-19 desde o início da pandemia?

3) quantas e quais são as UTIs públicas e UTIs privadas? Quantas e quais são credenciadas pelo MS? Quantos e quais leitos clínicos e de UTI foram comprados além dos credenciados?

No que tange à relevância econômica de cada setor, essa foi calculada a partir da participação do setor ao Produto Interno Bruto – PIB. Já o grau de segurança foi calculado a partir de uma pesquisa realizada nos Estados Unidos por ocupações que perguntou: a) Com qual frequência esse trabalho requer exposição a doenças e infecções? b) O quanto esse trabalho exige de contato com outros? c) Em qual extensão esse trabalho requer a proximidade física com outras pessoas?

Embora não esteja explícito na nota técnica divulgada, há dois pressupostos implícitos:

a) Um pressuposto trata do risco de doenças e infecções de uma ocupação nos EUA ser semelhante à mesma ocupação no Rio Grande do Sul, possibilitando desta forma estabelecer, de maneira falaciosa, que há um risco médio por setor econômico. Impossível tal conclusão haja vista que são realidades totalmente distintas.

b) O outro pressuposto trata da homogeneidade de risco em cada setor. Exemplificando: setor “agricultura e pecuária”. Impõe-se no exemplo o mesmo risco calculado de ambas atividades, entretanto, sabe-se que há aqui distintos graus de risco. E inclusive dentro do mesmo estabelecimento econômico há diferentes riscos em se tratando das distintas ocupações, o que não pode ser desconsiderado.

Há de se considerar que as atividades econômicas não operam com escalas e tecnologias iguais em todos os lugares, bem como, o contato/aproximação físico entre trabalhadores do mesmo setor são distintas em diferentes partes do mundo. Na própria região podemos ter muitas variações. Além disso, a esmagadora maioria dos trabalhadores gaúchos usam transporte coletivo para o seu deslocamento entre moradia e local de trabalho, diferente da experiência norte-americana. Por fim, o estudo de base do modelo somente utilizou em sua análise os municípios com mais de 5 mil trabalhadores formais.

A média entre o indicador de risco e o de relevância econômica é calculada a partir de uma ponderação que, segundo a nota técnica, é uma decisão política que depende do “peso que o gestor atribui ao indicador de saúde”. Não está claro se o gestor em questão, denominado pela Nota Técnica como “policymaker”, é o Governador, a Secretaria de Saúde, o Conselho de Especialistas ou outra pessoa. Também não é dito qual foi o peso escolhido, ou seja, não sabemos se no indicador final é o risco de contágio ou o PIB que estão pesando mais e com que fundamento técnico científico. Os principais parâmetros para definir o grau de abertura de cada região são definidos politicamente, não sendo esclarecidos os critérios nem os valores utilizados. Destacamos que o critério “essencialidade do serviço” em nenhum momento é levado em consideração para decisão quanto à abertura dos locais. A desvalorização da saúde nessa decisão fica ainda mais clara quando a Nota Técnica apresenta as instituições utilizadas para a construção do ISDC, entre as quais não aparece a SES.

Além do exposto, destacamos a falta da definição das responsabilidades no âmbito estadual e municipal quanto à fiscalização do estabelecido na normativa. Ainda, não é tratada a questão das condições para que tal fiscalização aconteça. De quantos fiscais o estado dispõe para exercer a fiscalização? E os municípios, quantos e quais dispõem desses profissionais? Os municípios possuem condições efetivas para determinar a fiscalização do cumprimento das proibições e determinações estabelecidas no decreto? Ressalta-se que o estado do Rio Grande do Sul não possui o cargo público efetivo de fiscal sanitário, função atualmente exercida através de portaria. Nesse sentido a normativa expõe a sociedade a um risco desconhecido, sendo de extrema necessidade a contratação imediata desses profissionais (através de contratos emergenciais).

Cabe destacar que o Decreto 55.240/2020 expõe profunda contrariedade em seu art. 13, ao prever que: “O distanciamento interpessoal mínimo de dois metros de que trata o inciso IX deste artigo pode ser reduzido para o mínimo de um metro no caso de utilização de Equipamentos de Proteção Individual – EPIs adequados para evitar contaminação e transmissão do novo Coronavírus”, ao mesmo tempo em que, no mesmo artigo, inciso I, determina, como de cumprimento obrigatório, a utilização de máscara facial pelos empregados e a exigência de sua utilização por clientes e usuários, para ingresso e permanência no interior do recinto. Ou seja, verifica-se duas determinações antagônicas no mesmo artigo, ao mesmo tempo em que “o distanciamento controlado” se afasta de forma descontrolada das bases científicas já consolidadas.

No domingo, dia 17 de maio de 2020, o Decreto 55.247 estabeleceu modificações no modelo inicial, flexibilizando irresponsavelmente ainda mais o (des)controle da pandemia. Tal fato fica visível na retirada do termo “obrigatoriedade” dos incisos V e VI, do art. 21, que trata do monitoramento de temperatura e de testagem dos trabalhadores como critério de funcionamento para os estabelecimentos públicos ou privados, sobrepondo o interesse econômico de poucos ao interesse público. Em análise, constatamos que a modificação no texto do Decreto torna a norma ineficaz, visto que perde seu sentido

Com essas considerações, julgamos que o Modelo de Distanciamento Controlado é um ato ilegal e temerário, que propõe o fim do Isolamento Social defendido pela OMS e praticado por todas as nações que defendem a vida de seus cidadãos, e nega a experiência histórica e atual demonstrada pelos países que realizaram o isolamento social em pandemia, os quais se fortaleceram economicamente em relação àqueles que não efetuaram o efetivo isolamento social.

Assim, EXIGIMOS A ANULAÇÃO DE TODOS OS INSTRUMENTOS LEGAIS QUE DÃO SUPORTE AO MODELO DE DISTANCIAMENTO CONTROLADO, VISTO QUE SÃO AUSENTES DE EMBASAMENTOS TÉCNICOS E CIENTÍFICOS, ALÉM DE EIVADOS DE ILEGALIDADES.

 

Este texto foi aprovado pela maioria da Mesa Diretora do Conselho Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul – CES/RS:

Presidente: Claudio Augustin – Segmento usuário – Central Única dos Trabalhadores do Rio Grande do Sul – CUT/RS

Vice-Presidente: Itamar Silva Santos – Segmento usuário – Federação dos Trabalhadores Aposentados e Pensionistas do Rio Grande do Sul – FETAPERGS

Ivarlete Guimarães de França – Segmento usuário – Fórum Gaúcho de Saúde Mental

Irene Porto Prazeres – Segmento trabalhador – Sindicato dos Farmacêuticos do Rio Grande do Sul – SINDIFARS

Milton Brasil – Segmento usuário – Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Rio Grande do Sul – FETAG/RS

Tuane Devit – Segmento trabalhador – Conselho Regional de Serviço Social – 10ª Região – CRESS/RS