Inflação baixa X Custo de vida alto
A inflação voltou a ser tema recorrente dos debates cotidianos. Os índices registrados são os menores dos últimos 20 anos. A inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), acumulada em 12 meses, em dezembro de 2017, ficou em 2,07%. Nesse contexto de inflação baixa, surge a desconfiança da população em relação aos índices. E isso pode ser explicado por duas razões.
1) A rigor, cada família “sente” a variação dos preços de modo particular, pois o peso de cada item no seu orçamento é diferente. A inflação é uma média da variação de preços de um conjunto de bens e serviços em determinado tempo, assim há oscilações de preços para cima e para baixo. O padrão de consumo que é referência para os índices de preços não corresponde ao de uma família específica e sim à média dos padrões das diversas famílias.
2) Nível dos salários pagos no país. Inflação baixa melhora a vida do trabalhador, elimina a ilusão monetária, preserva aqueles que recebem menor renda, uma vez que para esses a alimentação tem maior peso na sua cesta de consumo. Um exemplo é medir o poder de compra do salário mínimo em cestas básicas. Hoje, com o salário mínimo de R$ 954,00 (corrigido em 2018 abaixo da inflação) é possível comprar 2,2 cestas básicas, o que representa maior poder de compra desde 1995.
Contudo, esse fenômeno da Inflação menor não é mérito do governo. Não é resultado de uma política econômica adequada para o povo. Esse evento decorre das altas taxas de desemprego que inibem o consumo, do extraordinário resultado da safra agrícola de 2017 (crescimento de 30%) que derrubou o preço dos alimentos e de uma revalorização do câmbio (real em relação ao dólar). No cálculo do INPC, o custo dos alimentos registrou queda de 2,70% em 2017, enquanto os produtos não alimentícios subiram 4,25%.
Não obstante, vale reforçar que inflação caindo não significa que os preços estão menores (como aconteceu com os alimentos), mas que o ritmo em que estavam subindo diminuiu. E Inflação (variação de preço) não é a mesma coisa que custo de vida. Os preços podem não variar e o custo de vida, mesmo assim, ser elevado.
Tanto o INPC¹ quanto o IPCA² registram a variação dos preços de um grupo determinado e limitado de produtos³, os quais não necessariamente correspondem aos produtos que o trabalhador consome no dia a dia. Ademais, produtos com preços administrados (ou seja, insensíveis às condições de oferta e demanda) – que representam 19,2% dos gastos familiares –, as pessoas sentem mais, como é o caso dos impostos como IPTU e IPVA, tarifas de ônibus, combustíveis, água, luz e telefone. Consumir produtos e serviços que destoam da média favorece a sensação de desconfiança sobre a inflação. Na Tabela 1, é possível verificar alguns exemplos do dia a dia que destoam da média, como planos de saúde e combustíveis.
Tabela 1–INPC Variação acumulada em 12 meses para o índice geral e subitens de produtos e serviços selecionados (Janeiro/2018)
Fonte: IBGE – Índice Nacional de Preços ao Consumidor
Elaboração: Dieese
Outras duas questões são importantes: a) a variação dos preços não é igual em todas as regiões, por essa razão o IBGE divulga índices por regiões metropolitanas. Historicamente, a inflação medida pelo INPC é maior em Porto Alegre se comparada com o índice nacional. b) além disso, a inflação não mede, por exemplo, as despesas com as taxas de juros de cartão de crédito, financiamento, etc – que podem fazer parte dos gastos. Assim como não mede se as pessoas perderam o emprego ou estão trabalhando com uma renda menor, e isso tem impacto direto na sensação de “gastar mais, consumindo igual”.
Ainda, sobre o sentimento de descrença na inflação, podemos citar dois exemplos, o caso dos combustíveis e das mensalidades escolares. O litro da gasolina comum, no Rio Grande do Sul, apurado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), em dezembro de 2014 era de R$ 3,03. Em dezembro de 2017 já custava R$ 4,27. Isso representa um aumento de 40,7%. O INPC no mesmo período foi de 21,8%, ou seja, se o seu salário foi reajustado apenas pelo INPC, e a participação da gasolina na sua cesta de consumo manteve-se inalterada, o seu custo praticamente dobrou. No caso das mensalidades escolares o reajuste foi até maior. De acordo com levantamento do IEPE, a mensalidade média paga no ensino fundamental custava R$ 554,42, em dezembro de 2014, em Porto Alegre. Em dezembro de 2017, já custava R$ 728,83, ou seja, reajuste de 42,7%.
O fato é que, mesmo compreendendo o cálculo da inflação, considerando as especificidades de cada trabalhador/consumidor, se a inflação for zero, a maioria dos brasileiros continuará tendo rendimentos muito baixos para fazer frente ao custo de vida!
A distribuição funcional da renda4 , que analisa a repartição do PIB entre proprietários de capital e trabalhadores assalariados, ajuda a compreender, quando revela que 42,6% da renda nacional refere-se a excedente operacional bruto, ou seja, está nas mãos dos proprietários de capital; e 57,4% nas mãos dos trabalhadores assalariados.
Confirmado os baixos níveis de inflação, a sociedade passa a se defrontar com um antigo e renovado desafio: como encaminhar as lutas por aumentos salariais que, além de acompanhar o crescimento econômico (já reduzido), avancem sobre parcelas maiores da renda nacional, melhorando a sua distribuição e contribuindo para o resgate da enorme dívida social acumulada por séculos? E essa luta é tão legítima quanto a defesa do seu poder de compra.
1. O INPC resulta dos Índices de Preços ao Consumidor das famílias com rendimento mensal de 1 a 5 salários mínimos, sendo a pessoa de referência assalariada em sua ocupação principal, residentes nas regiões urbanas das 13 áreas de abrangência, cujos preços são coletados no mês civil.
2. O IPCA resulta dos Índices de Preços ao Consumidor das famílias com rendimento mensal de 1 a 40 salários mínimos, residentes nas regiões urbanas das 13 áreas de abrangência.
3. No âmbito da composição do INPC, mensalmente o IBGE divulga a variação de preço de 445 itens. Na área de Porto Alegre são pesquisados em média 2.370 locais; 1.657 produtos; 34.660 cotações mensais.
4. Anuário do Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda 2016: Remuneração: livro 6/ Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. São Paulo: DIEESE, 2017.
Por Anelise Manganelli | Economista do Dieese/RS